Suicídio é a terceira causa de morte entre jovens; Veja o que dizem especialistas

Por Carolina Delboni, do Estadão

Suicídio é a terceira causa de morte entre jovens; Veja o que dizem especialistas
Publicado em 19/09/2024 às 14:39

Alerta: o texto abaixo trata de temas como suicídios e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final dele onde buscar ajuda.

Suicídio é a terceira causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo dados da Fiocruz. Mas por quê? O que acontece com essa geração e como podemos ajuda-los? Especialistas esclarecem dúvidas.

“Na minha geração é comum tentar se matar. Eu tenho amigos que já tentaram. Isso é não é estranho pra gente”, me disse um adolescente de 16 anos enquanto conversávamos sobre um acontecimento numa festa. A frase, que eu escutei em março, ressoa constantemente na minha cabeça. Como pode uma geração de adolescentes “normalizar” o suicídio? Por que naturalizamos o que não é natural? Ou como pode uma geração de adolescentes ter o suicídio como saída dos problemas da vida? O que será que eles não estão dando conta? Onde estamos falhando como pais e educadores?

As perguntas sempre são muitas quando o assunto é suicídio. Buscar respostas, buscar compreensão de algo que parece incompreensível parece nos dar uma chance de respiro. Mas o tema exige aprofundamento, cuidado e responsabilidade. É preciso falar sobre ele para que mais pessoas possam conhecer as causas e possam oferecer apoio a adolescentes e jovens que estão por perto.

Os números têm crescido e a Fiocruz identificou um aumento de 6% no suicídio de adolescentes e jovens entre 2011 e 2022. É a terceira causa de morte no Brasil. De fato, temos uma geração exposta a elevadas tentativas de suicídio e aumento das práticas de autolesão. Para a psicóloga e Dra. em Saúde Mental, Karen Scavacini, do instituto Vita Alere, a suposta normalização expressa na frase do adolescente pode estar relacionada à exposição constante a violência e ao sofrimento coletivo, o que influenciam a percepção deles frente ao suicídio.

“O suicídio é multifatorial em todos os casos. Essa questão mais social, a violência, o impacto de uma comunicação ou de gatilhos que esse adolescente pode ter, é parte desses multifatores que vão ser sociais, culturais, econômicos, psicológicos, psiquiátricos, tecnológicos e situacionais,” elenca.

Ela acrescenta que, quando você está muito exposto a violência, ao sofrimento coletivo, pode ocorrer o que chamamos de dessensibilização em relação ao sofrimento, que significa perder pessoas, perder vidas.

“A própria normalização do suicídio, em alguns casos, pode ser a romantização do suicídio como saída para essa violência. Quanto mais os jovens são expostos a cenas de tragédia, seja em seu ambiente, na mídia, ou no conteúdo que consomem, isso vai trazendo a sensação de que essas questões são comuns, e isso pode diminuir a percepção do valor da vida“, observa Scavacini.

Além disso, pode também dar a sensação de que ninguém se importa com aquela dor, com aquelas vidas perdidas, o que pode aumentar a sensação de injustiça e a ideia de que a vida não é valorizada.

ados da Fiocruz, suicídio é a terceira causa de morte na adolescência Foto: Adobe Stock

Alguns números. Conforme o artigo publicado pela Fiocruz em fevereiro deste ano, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022.

Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health – Américas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.

Segundo a especialista do Vita Alere, a racionalização da violência também afeta a saúde mental dos jovens. Quando a violência é percebida como aceitável ou inevitável, os adolescentes podem ver o suicídio e a autolesão como respostas ao desespero. “Quando você normaliza o comportamento agressivo e dessensibiliza o sofrimento, isso pode aumentar tentativas de suicídio e autolesão”, explica Scavacini.

Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe milhões de ligações por ano no Brasil, indicando a alta demanda por suporte emocional. Só em 2021, o CVV registrou mais de 3 milhões de atendimentos via telefone, chat, e-mail e presencialmente.

Outra questão, diz respeito a maneira como o suicídio é noticiado ou percebido. Para Karen, o aumento de casos podem ser influenciados, especialmente entre jovens que já estão vulneráveis, por perdas de amigos ou parentes por suicídio.

“Outro ponto importante é que os meninos são frequentemente incentivados a se comunicar através da violência, e não pela emoção. Nossa socialização e cultura ainda veem a demonstração de vulnerabilidade como fraqueza, enquanto a agressividade é aceitável ou até esperada. Muitas vezes, a violência é dirigida para fora ou para dentro, e precisamos de muitas mudanças culturais, de justiça e de cuidado para alterar essa dinâmica”, diz Scavacini.

Para reverter essa naturalização do suicídio entre adolescentes, é fundamental promover uma abordagem que comece com a conscientização sobre a gravidade do problema e inclua ações preventivas. “Falar abertamente sobre saúde mental nas escolas é essencial, mas isso deve ser acompanhado por ações concretas que abordem as violências que ocorrem nesses ambientes”, defende Scavacini.

“É preciso um conjunto de ações amplas, que vão desde a promoção de diálogos até intervenções práticas. A tríade da mudança, como gosto de chamar, inclui consciência do problema, competência para lidar com ele e diálogo aberto. Sem essas três dimensões, a mudança não acontece. Além disso, é importante o treinamento de professores, campanhas envolvendo pais e comunidades, e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. É fundamental ter espaços de apoio e uma rede que inclua profissionais de saúde, educadores e a mídia, para que os jovens saibam que podem buscar ajuda em momentos de crise e que existem alternativas à violência”, destaca a psicóloga.

Onde buscar ajuda

Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.

Canal Pode Falar

Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.

SUS

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.

Mapa da Saúde Mental

site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.

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